URUBÚ COME CARNIÇA E VÔA!


GRUPO CLARIÔ DE TEATRO


URUBÚ COME CARNIÇA E VÔA!
ENTRE AS 10 MELHORES PEÇAS DE TEATRO DO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2011 
(VEJA AQUI)




URUBÚ COME CARNIÇA E VOA! 
UMA PONTE ATÉ MIRÓ
S I N O P S E:
Escritos crônicos e retratos da vida de um poeta pernambucano, negro, oriundo de MURIBECA, bairro periférico, que leva o mesmo nome do lixão em torno do qual o conjunto habitacional onde mora foi construído.
João Flávio Cordeiro, o MIRÓ DE MURIBECA, faz da poesia a maneira mais concreta de responder a violência sofrida e observada por ele cotidianamente.
Um artista intenso, crônico por natureza que, além dos escritos, traz no corpo e na palavra dita, uma visceralidade peculiar, que propõe novos olhares para um lugar onde “um sujeito pode bater no outro, só porque ele deu um riso!”, mas que, recheado de seu “alegrismo poético”, é capaz de colorir a tragédia e alçar vôos de celebração à vida.
Uma ponte, uma travessia até Miró, é o que o novo espetáculo do grupo Clariô propõe. Atravessando a palavra do poeta de corpo e órgãos, descobrindo musicalidades e gestos que traduzam/dialoguem seus ditos tão urbanos e sertanejos.
“URUBÚ COME CARNIÇA E VÔA!” é o que nos clariô nestinstante como chuva fina ao sol.




F I C H A   T É C N I C A :
Escritos crônicos:
Miró de Muribeca
Direção:
Mário Pazini
Atores/criadores: 
Alexandre Souza
Diego Avelino
Martinha Soares
Naloana Lima 
Naruna Costa e 
Washington Gabriel
Dramaturgia: 
Grupo Clariô de Teatro
Assessoria dramatúrgica: Will Damas
Cenário: Alexandre Souza (João) e Mário Pazini
Figurinos e adereços: Martinha Soares e Naruna Costa
Iluminação: Will Damas
T R I L H A   D A   P E Ç A :
Composição: 
Giovanni Di ganzá e Naruna Costa
Interpretação: 
Violibeca: Giovanni Di ganzá, 
Voloncello: Klaus Wernet, 
Viola Caipira: Agnaldo Nicoletti 
Saxofone: Pablo Quiñones

foto:Guma

foto:Guma

“Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria do Estado da Cultura, Programa de Ação Cultural/2010”

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SAIBA MAIS SOBRE O ESPETÁCULO:
MATÉRIAS /CRÍTICAS /ARTIGOS

BLOG MOSAICO NEGRO BRASILEIRO
POR SALLOMA SALOMÃO JOVINO DA SILVA
http://mosaiconegrobras.blogspot.com/2011/05/clario.htmlQuarta-feira, 25 de maio de 2011

CLARIÔ
Não me leve a mal, mas tenho que contar o que vi. Sugiro que você também vá ver e ouvir.

Por Salloma Sallomão.

Espaço Clariô na Periferia Zona Sudoeste de Sampa.
Trata-se de um grupo teatral que se apresenta lá, onde Urubu come carniça e voa.
Clareou , para o cantor e compositor nordestino Dimello era “quilariô, raiou o dia eu vi chover na minha horta, ai ai meu deus do céu quanto eu sofria ao ver natureza morta.” Em plenos anos 1970. Depois de cantar sua canção ao lado do radio de pilha, encontrei Dimello, Ivo, Vandré e o mestre dos tambores, saudoso Bira da Silva. Quilariô, isso aconteceu em 1979 nos confins das Gerais.
Situada no limite em Taboão da Serra e São Paulo, cunhada de ferro madeira na frente da casa, talhe nobre resistente, ponte de cultura ao invés de boteco ou Igreja. Barracão de telhado nobre de Zinco no pé do morro. Morro do Cristo redentor. Redenção de quem? Bem ao lado de uma Casa de Santo, pintada de azul. Pra mim, isso é que é um bom presságio. Que na rua do Clariô, a Santa Luzia guarde bem seus olhos, o Clariô atente ao número 96, não é coincidência, é santuário festivo e profano de culturas híbridas.
O meu texto e o delas, talvez não sejam claros, o próprio dia não é totalmente claro. Mesmo um dia desses de sol é cheio de desvãos, de escuridão e de sombras. Enfim, nem tudo que parece claro, o é. Clariô então é negro, é negra, predominantemente áfrico, como uma deusa que vem do sudoeste enegrecendo a cultura artística do Atlântico negro expandido para a periferia.
Periferia era antes uma categoria geográfica, tudo que não era colônia Peri feria. Transformada em discurso político e agora é um território criativo. Criativo porque a megalópole é tensa e ainda cega, como era no início dos anos 1990, quando os pioneiros do Movimento Hip Hop construíram um discurso sonoro e poético vingador. Racionais e outros jovens negro-mestiços cunharam um outro modelo musical-comportamental e humanizaram a tal periferia, lugar da imagem construída como sendo do caos e da anomia. Foram eles que viram pessoas por detrás dos números das estatísticas da violência institucional e deram nomes para as “donas marias” de pele escura que viram (vimos) enterrando os filhos, amigos seus e meus, nas covas ralas do cemitério do Jardim do São Luis. 
Agora é reivindicada como espaço estético surge outra periferia. A mídia não nos via e quando via, era uma lente grossa demais que distorcia tudo, um véu tosco que impedia que vultos e vozes o atravessassem (Dubois). O racismo anti-negro é feito não só de barreiras concretas-físicas, mas acima de tudo da sobreposição de véus que turva a visão de ambos os lados.
Clariô vive teatro, ele faz conexão é com Recife grande, não com as praias pra turistas, mas os arredores dos arrecifes. Lixão, onde os “urubus passeavam entre os girassóis” e seres humanos abandonados ali. O texto não, mas a interpretação costura, cinge, religa memórias, histórias e ficções de Miró de Muribeca. Ele batizado João Flávio Cordeiro, poeta é pessoa completa e sã, pelo que dizem os textos. A ponte é feita entre contextos tão similares e distantes. Recife-Taboão da Serra.
A luz é econômica, o figurino adequado. O cenário coerente e o ritmo de tudo não é lento, mas me ajuda desacelerar o coração já metropolitano em demasia. A ponte é feita por um elenco enxuto de três belíssimas atrizes, mulheres jovens e dois atores quase berberes, em minhas miragens de áfricas. Resumindo são todos negros em vários tons, isso por si só já é um tremendo deslocamento se pensarmos na “Negação do Brasil”(Joelzito Araujo) ou na longínqua emergência do Teatro Experimental do negro. Quero dizer, prota- agonismo negro em um lugar, onde o teatro tem sido lugar quase exclusivo de branco.
O texto começa onde termina e bem no meio parece que não voltará jamais, a não ser pela alusão à noite, ao beco escuro, a constatação da violência como cultura. Mas ela, a violência endêmica, não aparece para despertar lamurias, figura também como ponte a elaboração estética. O texto falado em costura não desenreda, abre flancos, picadas e apenas entabula os fragmentos discursivos e reflexivos e um tempo, uma experiência, uma visão do mundo, tal como ele se apresentou ao poeta. A música de Di Ganza insinua pontes com o grupo Armorial, mas apenas isso, não tem aquela presunção de vanguarda iluminista. O autor figura no campo de novas criatividades e musicalidades negras paulistanas, traz a ambigüidade do atlântico negro ainda em processo aqui. Di Ganzá vem cheio de gás e idéias, vem sem medo de se expor. Depois é que virá a coisa da dinâmica na execução, no ajuste da afinação das cordas friccionadas em contraste com a flauta transversa. Mas as melodias delicadas estão lá, as cadências sem engano, os contrapontos refinados, aqui e ali algum tambor.
Eu vi Arena Conta Zumbi no interior de Minas em 1969 apenas com atores negros, também vi União e Olho Vivo no parque Santo Antonio (1976), pude assistir o Galo de Briga no Grajaú (1979). Vi teatro popular Maculelê-Maracatu escrito e montado por capoeiristas da Corrente Libertadora no Sindicato do Químicos e no largo do São José. Por conta disso que assisti perplexo a emergência do Teatro Vocacional Frateschiano em São Paulo em 2000. Foi esse o último projeto que partia da velha e desgastada idéia que o popular (povo) é um lugar vazio a ser preenchido pela cultura dominante. Aprendi sobre os exemplos do Armorial dentro de um projeto nacional-modernista e do Cpcs que vinha marcado por um viés missionário e catequético, salvacionista e elitizado. Mas o que acontece agora é um fenômeno de outra ordem. A exemplo de outros grupos como Capulanas Cia de Artes Negras, o trabalho do Clariô é nitidamente político sem ser panfletário e é negro sem dizer que quer ser.
Em palestra realizada na USP em 1973, Roger Bastide (publicado em Bastide, Roger. Sociologia do teatro negro brasileiro. São Paulo: Ática, sd), apontava a origem do teatro negro nas coroações de Reis Congos, nas festas de Congada, nos Ritos de Candomblé e na Festa do Bumba meu Boi, conquanto criticasse a caricatura e folclorização. Também preconizava o surgimento de um teatro popular negro no Brasil sob os escombros da cultura dramatúrgica ocidental burguesa, cuja narrativa havia perdido justamente sua criatividade, por se desconectar da matriz popular. 
Viva Clariô, ainda que ponha fogo no pé do redentor. Labaredas!!!!! Pedra também pega fogo???? Vai lá, vai .....
Bjs
Salloma

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SAIBA MAIS...



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TRAGIALEGRIA
25/05/2011 poMARCELINO FREIRE
Suzana foi comigo à peça do grupo Clariô.
Foi Suzana quem tirou esta foto.
- É o máximo!
Aí eu contei a história para ela.
De quando conheci o grupo, no b_arco.
Naruna Costa – que está sentada, fazendo sinal de paz e amor – interpretou uma canção do Chico César.
Eu estava com o Chico e a gente ficou pasmo – ela cantava Beradêro. Como ninguém. Aí a gente foi dar os parabéns.
Mário Pazzini, na foto idem, disse que eles estavam começando um grupo, sob direção dele, em Taboão da Serra. Dei de presente, àquele mesmo dia, o livro Contos Negreiros.
Eles me procuraram, uns meses depois. Iam levar meus contos ao palco. Fiz, à época, uma visita à sede do Clariô - um sobrado que, quando montaram a peçaHospital da Gente, foi transformado, cenicamente, em um impressionante favelão.
O título Hospital da Gente, aliás, saiu daquela música do Chico. Até hoje, apresentam a peça por aí, sempre com muito sucesso.
Mas, enfim. Eu estava falando da Suzana – e de que fomos, juntos, ver a nova montagem, a Urubu Come Carniça e Voa.
- É da porra!
Mário é um diretor foda! Conseguiu costurar as poesias do Miró em um espetáculo vigoroso, colorido - uma verdadeira tragialegria (expressão inventada agora, por mim – mistura de tragédia com alegria).
Está bem diferente do Hospital – e creio que melhor. Porque o grupo se superou em interpretação, entrega, amadurecimento gostoso de ver. Um clássico, posso dizer. Vi uma peça clássica, feita com entusiasmo raro. E raça.
Como adoro essa turma!
Hoje, no mesmo local do sobrado, levantaram um galpão – fruto de esforço, teimosia, talento, trabalho.
Deixo, aqui, o meu abraço emocionado a todo o elenco.
E o recado a você, aí do outro lado. Não deixe de assistir.
Para saber mais, clique aqui.
E mais não digo. Fui ali e já volto.
E outros beijos lambidos.
- Eca, é, Meu Cristo!

***
Grupo Clariô de Teatro!
Clariei sim!
por: PAULO ANDRÉ FARAH
Perto de vocês me sinto como se tivesse recebido um abraço apertado, não um daqueles que quebra as costelas, mas daqueles que acolhe o coração.
Sobre o espetáculo, já passaram 3 semanas, ou mais, que o tempo nos engana, e a memória tem testa curta, mas a veia sabe os caminhos que leva ao coração. Parece que agora que eu parei para escrever, não lembro muita coisa, mas se eu for escolher um ponto para falar, resumo na palavra “dignidade”. Dignidade na escolha do texto, dignidade do Miró, do Mário, da Naruna, da Naloana , do Alexandre, da Martinha, do Diego, do Will, do Washington. Dignidade de atuações, de concepções. Sabe quando a gente vê ator honesto em cena, com integridade. Sabem sim, com detalhes de gesto, detalhes de voz, com a costura do roteiro (e imagino quantas escolhas, quantos “nãos” vocês disseram para poder ficar com a forma final). Vocês ousam construir a dramaturgia a partir de textos literários, fizeram isso com o Marcelino, agora com Miró, é mais trabalhoso, mas traz ao teatro o vigor da obra nova que se revela na interface das artes. Gosto quando alguém gosta das palavras, saboreia o texto. É bom de ouvir. Assim como é bom ver a reconstrução do espaço, “eterno Deus mudança”. Vocês não tem preguiça não? Deus abençoe a juventude de seus corações e a sabedoria de vossas entidades!
Teatro serve para religar o homem ao palco, o homem à terra, serve para redimir a sociedade das formas amorfas que são vendidas por aí. E se teatro é social, traz o grito (de dor ou alegria) de um povo, o teatro comunica com o divino, por ser rito, por estar carregados de mistérios, por nos surpreender e por aproximar o ser de suas raízes, seus antepassados, e daí soltar uma flexa ao futuro. Vocês fazem isso com aura e alma.
Das partes técnicas do espetáculo, no dia comentei aos pedaços com quase todos vocês o que achei pertinente. Como gostei das escolhas, nada muito a acrescentar, nenhuma discussão ou palpite a levantar. Vocês são profissionais, sabem trabalhar. Importante é não parar aí, no tecnicisno. Que bom que este não é a meta final de vocês, mas parte do caminho.
Escrevi um poema que envio anexo, sobre a metafísica do urubu.
Deixo meu abraço caloroso.
(Paulo Farah André)

Metafísica do Urubu
Come carniça e voa!
Ao Grupo Clariô e ao
Miró da Muribeca
I

Vejo o urubu
não é magro
nem é gordo
mas pesado que é

anda no chão
tal galo enfadado
sempre de preto
é sua armação.

Disseca o cadáver
bicada a bicada
e disputa o pedaço
da carne putrefata

com ela se basta
com ela se farta
se perfuma
e se acaba.

II

E se o urubu é pesado
como é que levita?
Como que plana?
Como deslisa!

Em sua espiral
sem pressa, sublima
parece neblina
desaparece, nem vi...

Morre um boi no pasto
uma lebre na sombra
um cão na distância
um homem insepulto

e lá está o urubu
sempre presente
pontual, preciso
sem emoção e urgente.

Não há enterro
não há flores
só o festejo
das aves de preto.

Restam os ossos
em seu branco elemento
sua prata e testemunho
esfarelando na terra.

III

Prezado Urubu
que tem a morte por meio
respeito tua sorte
e meu sortilégio

vencer cada dia
no sol que levanta
e saber-te por perto
esperando meu fim.

Que não há saída
não há estratégia
que vença a espera
que você tem por mim.

Que não há destino
não há encanto
que engane sua fome.
Eu sou teu jardim.

IV

Escrevo poemas
e faço teatro
essa é minha arte
e meu compasso

revelar quem somos
na mentira de um ato
efêmero engano
só sobram os rastros...

Mas insisto
escrevo, ensino
divido o que eu acho
me retalho em pedaços.

Se em meus dias contados
quero ser imortal
para poder dar passagem
à herança que tive:

o coração nas coisas
o amor das gentes
as palavras antigas
tão novas nos lábios.

Da peneira do tempo
do trabalho dos homens
dos sonhos de alguns
de alguém que amei

sobrou a poesia
que sinto no peito
e que eu canto
em meu silêncio

e o frio que passa na alma
é o não entendimento
das coisas incertas
que acontecem fatalmente.

- Não é fácil ser poeta, Urubu!
em meio à miséria dos homens
ao desprezo dos curtos e brutos
sem tempo para ser gente.

- Mas mais difícil é ser Urubu! Poeta.
Comer a carniça que sobra dos homens
comer os restos de vossa humanidade
antes que os vermes nos comam.

(Pois aos urubus, só comerão os vermes
testemunhos de nossa finitude
e aos vermes comerão os fungos
e aos fungos, o pó).

VI

Você me aconselha
com a fome no bico
que eu não perca o tempo
de ser bem feliz

e você me lembra
do cinza dos tempos
que herdamos o dia
de ser Serafim...

VII

Tá de barriga cheia!
então                                                                           voa
                                   Voa
                     Voa
                 Voa                                        Urubu...

                                                                                                                    Voa
                                      Voa
                                                               Voa


Paulo Farah André
Pipa Poesia
(quando eu gosto de um poema meu e acho que ele pode levantar vôo, eu o chamo de Pipa Poesia)