CARTA MANIFESTO
SOBRE O ROMPIMENTO DOS COLETIVOS DE TEATRO NEGRO DE
SÃO PAULO COM A “MOSTRA DA NOVA
DRAMATURGIA DA MELANINA ACENTUADA”.
“Negros que escravizam e vendem
negros na África não são meus irmãos
Negros senhores na
América a serviço do capital não são meus irmãos
Negros opressores em
qualquer parte do mundo não são meus irmãos...”
(Trecho do poema “OS NEGROS” de Solano
Trindade).
O MOVIMENTO DE TEATRO NEGRO DE SÃO PAULO manifesta
aqui toda sua indignação e perplexidade diante do tratamento desrespeitoso
direcionado aos coletivos de teatro: CAPULANAS CIA DE ARTE NEGRA, OS CRESPOS,
COLETIVO NEGRO E GRUPO CLARIÔ DE TEATRO, pela curadoria e coordenação da "MOSTRA DA NOVA DRAMATURGIA DA MELANINA
ACENTUADA”, que ocorre na Cidade de São Paulo, desde novembro de 2012, no
TEATRO DE ARENA EUGÊNIO KUSNET, financiada pelo EDITAL DE OCUPAÇÃO DO TEATRO DE
ARENA EUGÊNIO KUSNET/ 2012 (2º SEMESTRE).
É com tristeza que anunciamos nossa inevitável
retirada, no mês de fevereiro de 2013, do “evento” supra-citado .
Somos coletivos comprometidos com a politização de
questões raciais e sociais no teatro, e nosso reconhecimento é legitimado pelo
público, movimentos sociais e
crítica, que reconhecem a qualidade estética de nossos trabalhos e a
importância da militância político-artística no centro e nas periferias de São
Paulo.
Para nós, a ocupação histórica do teatro de Arena -
espaço de referência e luta desde
a década de 50 no Brasil - pela
Mostra referida, era mais um passo importante na trajetória do Teatro Negro
brasileiro e, por este motivo, havíamos nos colocado à inteira disposição para
seu fortalecimento. Disponibilizamos nossas obras, corpos e pensamentos, a fim
de somar forças, estabelecer trocas e propiciar um passo fundamental na
conquista de novos olhares, rumo à dramaturgia negra do século XXI. No entanto,
no decorrer do processo de nossas participações, observamos um olhar
estrangeiro, contraditório e, finalmente dissimulado e desrespeitoso, por parte
do coordenador/curador/idelizador da Mostra: Aldri Anunciação. Por vezes
tentamos dialogar, mas apesar do discurso aparentemente
ser o mesmo, os modos de trabalho moram em pólos diferentes: apropriação não é
pertencimento.
Inúmeras falhas ocorreram durante o processo. É
evidente que a legitimade de uma mostra de dramaturgia negra em São Paulo se dá
pela força de atuação dos coletivos locais, porém o desconhecimento e falta de
interesse do curador à respeito da trajetória de cada coletivo, desembocou em uma série de
incoerências. Em meados de setembro de 2012 os grupos foram sondados para
participar da Mostra, sendo que alguns, depois de iniciados os contatos, foram
simplesmente ignorados durante o processo de negociação. Em contraponto, outros
foram incluídos na programação antes do fechamento de sua participação; datas
foram modificadas sem acordo; materiais de divulgação expostos com inúmeras
falhas, retirados da internet sem
consentimento. Uma absoluta desorganização e falta de comprometimento
que, até certo momento relevamos, na tentativa de compreender e preservar a
Mostra.
Descobrimos que o esforço e parceria por nós ofertados
não era recíproco. Os Grupos paulistas fecharam sua participação na Mostra por
uma “ajuda de custo”(já que o que nos foi informado era que a verba destinada
era pouca, para o tanto que queriam e iriam produzir). Nós topamos, como já foi
dito, por questões ideológicas. No entanto, os coletivos tomaram conhecimento
do tratamento diferenciado ao elenco do Rio de Janeiro. Era discrepante a
diferença financeira oferecida à produção carioca, em relação ao cachê. Pedimos
um encontro para esclarecimentos e exigimos tratamento igualitário. Em reunião, o coordenador da Mostra deu
continuidade ao mau tratamento, enfatizando haver de fato uma separação entre
trabalho de grupo: “os que participam pela causa”; e elenco: “os que participam pelo cachê”. O rumo da prosa
foi a lógica de Mercado, e o discurso político foi transformado em
valores. Diante disso, não
poderíamos chegar a outra conclusão senão, a de que estávamos sendo EXPLORADOS
EM NOSSA PRÓPRIA CASA e usados para legitimar uma proposta que não passava de
cartaz.
Lembrando novamente do irmão Solano:
“Quando eu nasci,
Meu pai batia sola,
Minha mana pisava milho no pilão
para o angu das manhãs…
Portanto eu venho da massa. Eu sou um trabalhador.”
(Trecho do poema “autobiográfico”, de Solano
Trindade)
Nós somos trabalhadores e dizemos: NÃO!
NÃO aceitamos permanecer na MOSTRA, porque os meios
utilizados NÃO nos levaram a um mesmo fim ideológico, que antecede qualquer
questão financeira: o respeito, a confiança, a parceria, a verdade.
Nós: OS CRESPOS, CAPULANAS CIA DE ARTE NEGRA, COLETIVO
NEGRO E GRUPO CLARIÔ DE TEATRO rompemos.
Após o rompimento (que primeiro foi comunicado aos
organizadores da Mostra), solicitamos uma carta de retratação por parte da
coordenação, que foi resumida com a frase: “POR MOTIVO DE FORÇA MAIOR”.
E é por MOTIVO DE FORÇA MAIOR: R E S P E I T O (com nós mesmos, nosso público, nosso
posicionamento político-ideológico, a história do teatro negro brasileiro,
nossos sonhos e obras), que nos afastamos da Mostra.
Acreditamos que nossa ruptura pode contribuir para a
evolução das próximas mostras e para o compromisso, respeito e ética com as
futuras apresentações destes, e outros coletivos.
NOTA:
Desde nossa saída estamos sendo acusados de boicotar o
evento por descontentamento financeiro”, e responsabilizados pelo esvaziamento
das atividades propostas na programação (falha de divulgação da
organização).
Esperamos que nosso desabafo-manifesto sirva de
esclarecimento ao nosso público e interessados sobre os reais motivos de nossa
retirada e, que os mesmos compreendam e apoiem a nossa decisão.
Aqui também, anunciamos nosso respeito e consideração
aos inúmeros participantes da “MOSTRA DA
NOVA DRAMATURGIA DA MELANINA ACENTUADA”, mestres que por ali passaram e
passarão, parceiros de luta, trabalho e vida. Irmãos. Bem como os parceiros
cariocas, que nada tem a ver com a displiscência da organização desta Mostra de
Dramaturgia Negra.
Axé.
Esta é uma posição coletiva.
São Paulo, 23 de março de 2013.
Movimento de Teatro Negro de São Paulo.
“Os
tambores não são mais pacíficos
Até as palmeiras têm
amor à liberdade”.
(Trecho do poema “Canto dos Palmares” - Solano Trindade)
Para maiores esclarecimentos:
GRUPO CLARIÔ DE TEATRO: www.espacoclario.blogspot.com
COLETIVO NEGRO: www.coletivonegro.blogspot.com
OS CRESPOS: www.ciaoscrespos/facebook.com
CAPULANAS: www.ciacapulanas.blogspot.com